terça-feira, 12 de outubro de 2010

A grande dor



por Wilson Magalhães




Nas minhas andanças massoterapêuticas aprendi o quanto estamos mergulhados, sem perceber, num estado de dor e medo típico de um pós-guerra mundial. Num pós-guerra, milhões de seres humanos, de uma abordagem bem cultural, sentem perdas e muita dor.
Temos uma capacidade imensa de “eliminar” a dor mudando o limite de sensibilidade. A dor fica lá. Mas não sentimos. Até que alguém chegue e toque os pontos contraídos. Aí, dói. A impressão que temos é que passou a doer a partir daquele momento. Mas já estava tudo dolorido, acumulado. Estamos mergulhados, qual peixes de aquário, num oceano de dor. E como o peixe que não sabe da água por não ter outra referência, também não sabemos desta dor. Qualquer um que chegue nos tocando, física, mental ou emocional torna-se o culpado. Mas ia tudo tão bem...
A percepção do quanto estamos todos tão doloridos cria duas situações dignas de avaliação. A primeira é que para conseguirmos ficar conscientes, neste estado de dor temos de ter um suporte, um acolhimento, um encorajamento. A segunda é que existe um pacto social no sentido de ficar todo mundo quietinho se fazendo de morto para ver se a coisa passa. Alienados como somos e, portanto impedidos de enxergar que podemos nós mesmos fazer alguma coisa, escolher fazer parte de outro processo, sentimo-nos sempre ameaçados por qualquer messias que chegue com boas novas. Ficar quietinho vai ajudar a dor a passar. Mas a dor não passa. A dor fica lá. Dormindo. Estaremos, mitologicamente, sempre sacrificando alguém para aplacar a fúria dos deuses. Alguém que assuma todos os pecados, todas as culpas.
Poder admitir que não estamos bem certos, confusos, traz dor. E dor, olha já tem demais. Cobrir a dor, elevar o limite é, no mínimo, um adiamento. Até quando devemos adiar?
A ilusão de separatividade, o conceito de individuo do qual estamos imbuídos de forma veemente, ajuda a manter um sentimento de que estamos sós. E de todo jeito, de forma absoluta, não somos separados, nunca estamos sós. A partir de uma maneira distorcida de percebermos a realidade continuamos acreditando que o Universo é constituído por partes. Ora, se nossa mente não está bem treinada de maneira a podermos usar uma visão sistêmica em nossa interação com a vida isto não significa que nosso Universo seja constituído de partes. Segundo manuscritos muito antigos houve um tempo que as coisas não tinham um nome. E foi dada ao homem a condição de nomear cada coisa. Tenho a impressão que a partir daí começou a confusão. E o uso destas palavras que nomeiam todas as coisas possibilita a criação de verdadeiras armadilhas, onde sob a ilusão de estarmos separados aprisionamos seres a quem afirmamos gostar, amar. Tanto faz se somos o prisioneiro por trás das grades ou o policial que fica do lado de fora para evitar uma fuga. Todos dois estão presos. E restritos a uma paisagem que nunca muda. Todos dois estão de castigo. Quando colocamos alguém de castigo ficamos também de castigo, pois temos de vigiar. E ficamos presos. Quando fazemos isto alegando que o outro precisa aprender é porque não aprendemos nada, nada.
Até quando sairemos procurando aceitar Jesus e crucificando toda a humanidade? Tentamos reproduzir as ações do Cristo, mas carregamos uma culpa tão grande que vamos, por precaução, crucificar todos que estejam tentando ser felizes, dar certo. Tem uma parte nossa que é pequena, feia e suja. Tem outra parte que é o Universo inteiro. Quando alguém te convence que é somente a parte pequena: sórdido, medroso, perverso... é porque somente sua própria parte pequena está atuante. Para podermos ver a grandiosidade presente em todas as coisas precisamos exercitar mais o nosso Universo. Precisamos entender melhor o mecanismo da dor e do prazer. Acreditar que somos indivíduos, pequenos, partes e que podemos eliminar a dor tentando esquecer dela, tem causado toda esta confusão.